domingo, dezembro 16, 2007

Expedição ao Rio Urucuia, MG – Dezembro de 2007. (I)

Na semana passada tomei parte em uma fascinante expedição ao sertão de Minas Gerais. Além de realizar pesquisas sobre o rico folclore da região, encontrei-me com uma equipe de filmagem do programa Vou te contar, que será transmitido no ano que vem pelo Canal Futura. É um programa interessantíssimo que mostrará mitos e lendas do folclore brasileiro contadas pelas pessoas simples do povo. Estou fazendo um trabalho de consultoria de conteúdo para o programa e resolvi levar a equipe para conhecer esse pedaço do Brasil que tanto me encantou. É o universo do cerrado brasileiro, o noroeste de Minas que foi tão bem descrito pelo escritor Guimarães Rosa. A seguir, alguns trechos do meu diário de viagem e fotos tiradas na região.

Expedição ao Rio Urucuia, MG – Dezembro de 2007. (II)


Diário de Viagem: Terça Feira, 11 de Dezembro de 2007.

Depois de voar do Rio de Janeiro a Belo Horizonte e em seguida encarar mais de 12 horas de viagem de ônibus, estou chegando a cidade de Urucuia-MG. Por volta das cinco e meia da manhã, o motorista do ônibus em que eu estava quase desistiu de chegar à cidade e empacou diante de um lamaçal onde já estavam mais de três caminhões atolados. Após muita pressão por parte dos passageiros ele acabou encarando o desafio. Depois de patinar e derrapar para todos os lados conseguiu finalmente vencer o obstáculo. Ufa! Imagine não chegar ao meu destino depois de uma noite inteira de solavancos em estradas precárias e cheias de buracos...
Na rodoviária meu amigo Zé Gomes estava me esperando com sua picape e foi nela que nos dirigimos à sua fazenda, localizada às margens do Rio Urucuia.

Expedição ao Rio Urucuia, MG – Dezembro de 2007. (III)



Diário de Viagem: Quarta Feira, 12 de Dezembro de 2007.

Depois de uma noite bem dormida e um café da manhã daqueles de fazenda – com leite fresquinho, queijos e muitas frutas – me preparei para aguardar a equipe de filmagem que vinha do Rio de Janeiro. Pela manhã, saí com seu Zé Gomes para levar uma pequena boiada até uma fazenda vizinha e aproveitei para tirar belas fotos do cerrado e do Rio Urucuia.
Coisa mais linda é guiar uma boiada. Necessita cuidado e atenção para não perder nenhum animal pelo caminho. No cerrado isso acontece com freqüência, já que os caminhos são ladeados por mato alto e árvores retorcidas.
Na parte de baixo da foto aparece uma das orelhas do burro branco em que eu estava montado. Animal confortável, de marcha confortável e segura.

Expedição ao Rio Urucuia, MG – Dezembro de 2007. (IV)


Diário de Viagem: Quinta Feira, 13 de Dezembro de 2007.

Após uma exaustiva viagem e dois pneus furados a equipe formada pelos cineastas Rodrigo Ponichi, Pablo Nery e Rodrigo Graciosa chegou à fazenda pela madrugada. Ainda assim saímos bem cedo em busca de imagens e depoimentos para o programa.
Auxiliados pelo seu Zé Gomes, conhecemos personagens interessantíssimos como o seu Lindolfo, pescador que conhece muitas histórias sobre o temível Caboclo D’água (criatura fantástica que habita os rios Urucuia e São Francisco). Conversamos também com seu Aníbal, o Nibinha, que jura ter lutado corpo a corpo com a criatura e até ainda filmamos uma gigantesca pedra na beirada do rio onde muitos entrevistados afirmaram ter visto o Caboclo D’água deitado, tomando sol. Se é mentira ou se é verdade eu não sei, mas a pedra possui até mesmo uma saliência com o formato exato de uma confortável caminha...

Veredas do Grande Sertão


Mas afinal, o que são essas veredas de que Guimarães Rosa falava tanto? A vereda é uma espécie de oásis em meio à secura do cerrado. Geralmente nelas brota ou corre um fio de água cristalina e a vegetação ao redor desses olhos d'água assume tons escuros de verde.
Para coroar tanta beleza, as veredas ostentam sempre uma grande quantidade de palmeiras de buriti que podem ser vistas de longe, animando o viajante a prosseguir viagem e ali parar para se refrescar.

Viagem ao Urucuia: Imagem do Caboclo D´água

Diário de Viagem: O Caboclo D’água

O Caboclo ou Compadre D’água é uma criatura misteriosa que habita os rios Urucuia e São Francisco. Segundo os ribeirinhos e pescadores o caboclo tem forma humanóide, de estatura baixa e possui o corpo coberto por pelos escuros e arrepiados. Não é de muita conversa e costuma se aproximar das canoas dos pescadores para pedir fumo e cachaça. Se não for atendido pode se enfurecer e atacar a canoa, virando-a e arrastando seus ocupantes para o fundo do rio.

Diz a lenda que o Caboclo d´Água habita um castelo no fundo das águas e as pessoas que desaparecem no rio são imediatamente levadas para lá, tornando-se seus serviçais para o resto de suas vidas. Dizem também que o Caboclo é fascinado pelo som de um ponteado de viola caipira. E não foram poucos os violeiros arrastados para o fundo do rio para que tocassem só para ele. Aliás, até hoje na região existem violeiros que evitam se aproximar do rio com seus instrumentos, principalmente em noites de lua cheia.

Em nossa pesquisa, diversos entrevistados, principalmente os de idade mais avançada, afirmam que há trinta, quarenta anos atrás era muito comum avistar um ou mais caboclinhos d’água brincando despreocupados na beirada do rio. O desmatamento e a poluição crescentes das águas tornaram essas cenas raríssimas e isso explica também o desinteresse dos mais jovens pelo tema, tido como “histórias da carochinha” contados por seus pais e avós.

Ao lado podemos ver uma ilustração que desenhei em nanquim em meu caderno de notas. A aparência que criei para esse Caboclo é uma síntese de todos os relatos que ouvi. Credo, imagine topar com um bicho desses em plena margem do rio numa noite de lua cheia?